Pressão do líquido cefalorraquidiano orbitária e neuropatia ótica glaucomatosa: factos e/ou mitos?

Jost B. Jonas, MD, PhD

Department of Ophthalmology, Medical Faculty Mannheim, Ruprecht-Karls-University of Heidelberg, Germany

Dado que a lâmina cribosa da cabeça do nervo ótico forma a fronteira entre o espaço intraocular, de pressão mais elevada, e o espaço retrobulbar, de menor pressão, existe um gradiente de pressão através da lâmina cribosa que corresponde à diferença entre a pressão intraocular e, a pressão no líquido cefalorraquidiano e no espaço tecidular do nervo ótico1,2. Este gradiente de pressão através da lâmina cribosa é importante nas doenças oculares nas quais um ou ambos os lados da lâmina cribosa apresentam pressão anormalmente elevada e/ou anormalmente reduzida3,4. Um gradiente de pressão anormal influencia a fisiologia e a fisiopatologia da cabeça do nervo ótico5-9, incluindo o fluxo axoplasmático anterógrado e retrógrado10,11. Nesse contexto, há que recordar que o termo «pressão intraocular» é impróprio. Aquilo que os oftalmologistas designam por «pressão intraocular» não é mais do que a diferença de pressão transcorneana2. A pressão real num olho com uma pressão intraocular de 20 mmHg é de 780 mmHg [760 mmHg (pressão atmosférica), acrescidos de 20 mmHg]. Contudo, para o nervo ótico não é a diferença de pressão transcorneana que conta, mas sim a diferença de pressão através da lâmina cribosa e o gradiente de pressão através desta.

O gradiente de pressão através da lâmina cribosa depende da diferença de pressão e da distância entre o compartimento intraocular e o compartimento retrobulbar repleto de líquido. A distância entre ambos os compartimentos depende muito da espessura da lâmina cribosa12,13. Por conseguinte, a diminuição da espessura da lâmina cribosa em olhos altamente míopes pode constituir um dos motivos pelos quais a suscetibilidade ao glaucoma aumenta neste tipo de olhos13,14. Além disso, estudos histomorfométricos demonstraram que, em olhos sem miopia elevada, a lâmina cribosa fica mais fina nas fases mais avançadas da doença13. Esta redução da espessura da lâmina cribosa associada ao glaucoma pode ser uma das razões pelas quais aumenta a progressão desta patologia em olhos com glaucoma avançado15,16.

A diferença de pressão através da lâmina cribosa depende da pressão intraocular e da pressão retrobulbar do líquido cefalorraquidiano, sendo elevada se a pressão intraocular for elevada e/ou se a pressão do líquido cefalorraquidiano for reduzida. Há mais de 30 anos, Volkov notou que pressões baixas do líquido cefalorraquidiano poderiam estar patogenicamente associadas a neuropatia ótica glaucomatosa17, ideia que já tinha sido expressa anteriormente por Szymansky e Wladyczko18. Paralelamente, Yablonsky, Ritch e Pokorny postularam que uma pressão anormalmente baixa do líquido cefalorraquidiano em torno do nervo ótico poderia constituir a razão de ocorrência de lesões do nervo ótico induzidas barotraumaticamente em casos de glaucoma normotensional19. Num estudo experimental, diminuiu-se a pressão intracraniana para 5 cmH2O abaixo da pressão atmosférica por canulação da cisterna magna. A pressão intraocular de um olho foi reduzida para um valor ligeiramente superior ao da pressão atmosférica por canulação da câmara anterior. Após três semanas, as cabeças dos nervos óticos cuja pressão intraocular não tinha sido alterada revelaram características típicas de neuropatia ótica glaucomatosa. Pelo contrário, não ocorreram alterações nos olhos cuja pressão intraocular tinha sido também reduzida. Os autores colocaram a hipótese de a redução da pressão intracraniana ter o mesmo efeito que o aumento da pressão intraocular no desenvolvimento de glaucoma. Consequentemente, Berdahl et al. realizaram uma revisão retrospetiva dos registos médicos de mais de 50 000 doentes submetidos a punção lombar por motivos primariamente não-oftalmológicos20,21. A pressão do líquido cefalorraquidiano foi significativamente (p<0,0001) menor nos participantes com glaucoma normotensional (8,7 ± 1,16 mmHg) e no grupo com glaucoma primário de ângulo aberto (9,1 ± 0,77 mmHg) do que no grupo de controlo (11,8 ± 0,71 mmHg). Além disso, a pressão do líquido cefalorraquidiano também foi mais elevada no grupo com hipertensão ocular do que nos participantes de controlo de idade equivalente (12,6 ± 0,85 mmHg versus 10,6 ± 0,81 mmHg; p<0,05). Estes resultados foram confirmados por um estudo prospetivo da autoria de Ren et al.22-24. Neste estudo, a pressão do líquido cefalorraquidiano lombar foi significativamente (p<0,001) menor no grupo com glaucoma de pressão intraocular normal (9,5 ± 2,2 mmHg) do que no grupo com glaucoma de elevada pressão intraocular (11,7 ± 2,7 mm Hg) ou no grupo de controlo (12,9 ± 1,9 mm Hg). A diferença de pressão através da lâmina cribosa foi significativamente (p<0,001) maior no grupo com glaucoma de pressão intraocular normal (6,6 ± 3,6 mmHg) e no grupo com glaucoma de elevada pressão intraocular (12,5 ± 4,1 mmHg) do que no grupo de controlo (1,4 ± 1,7 mmHg). Numa análise multivariada, a quantidade de perda glaucomatosa do campo visual esteve associada sobretudo à diferença de pressão através da lâmina cribosa (p=0,005), ao passo que a pressão intraocular e a pressão do líquido cefalorraquidiano, enquanto parâmetros únicos, já não eram significativas (p>0,50) quanto associadas à perda perimétrica. Num estudo paralelo, a pressão do líquido cefalorraquidiano foi significativamente (p<0,001) mais elevada num grupo de 17 doentes com hipertensão ocular (16,0 ± 2,5 mmHg) do que no grupo de controlo (12,9 ± 1,9 mmHg)24. No grupo de controlo, a pressão do líquido cefalorraquidiano esteve significativamente correlacionada tanto com a pressão arterial sistólica (p=0,04) como com a pressão intraocular (p<0,001). Dado que a pressão intraocular também revelou tendência a estar associada à pressão arterial (p=0,09), conforme foi também demonstrado em estudos populacionais25, a diferença de pressão através da lâmina cribosa não esteve significativamente (p=0,97) relacionada com a pressão arterial. Nos participantes do grupo de controlo, as pressões em todos os três compartimentos de líquido estiveram assim correlacionadas entre si, sendo a pressão arterial sistémica a mais elevada, seguida da pressão intraocular e, por fim, da pressão do líquido cefalorraquidiano. No grupo de controlo do estudo de Ren et al., a pressão do líquido cefalorraquidiano (p=0,01; coeficiente de correlação r=-0,26), a pressão intraocular (p=0,001; r=-0,34) e a diferença de pressão através da lâmina cribosa (p=0,004; r=-0,31) diminuíram significativamente com o aumento da idade. Além disso, a pressão do líquido cefalorraquidiano esteve também associada a índices de massa corporal mais elevados (p<0,001)26, confirmando a associação a valores anormais do índice de massa corporal em doentes com hipertensão intracraniana idiopática27.

Em conclusão, tendo em conta que (1) é a diferença de pressão através da lâmina cribosa (e não a diferença de pressão transcorneana, isto é, a chamada «pressão intraocular») que é importante para a fisiologia e a fisiopatologia do nervo ótico; (2) os estudos sugeriram a existência de associações fisiológicas entre a pressão em todos os três compartimentos com líquido, i.e., a pressão arterial sistémica, a pressão do líquido cefalorraquidiano e a pressão intraocular; (3) uma pesquisa experimental sugeriu que a pressão do líquido cefalorraquidiano pode influenciar a patogénese do glaucoma associado a pressão (intraocular) normal e que (4) os estudos clínicos vieram a relatar que os doentes com glaucoma associado a pressão (intraocular) normal apresentavam pressão do líquido cefalorraquidiano significativamente mais baixa e uma maior diferença de pressão através da lâmina cribosa em comparação com os participantes normais, pode inferir-se que a baixa pressão do líquido cefalorraquidiano pode estar associada a glaucoma de pressão (intraocular) normal em alguns doentes. A hipotensão arterial sistémica, sobretudo à noite, pode estar fisiologicamente associada a uma baixa pressão do líquido cefalorraquidiano, levando a uma diferença anormalmente alta da pressão translaminar (com lesões do nervo ótico induzidas barotraumaticamente) e, como tal, a uma situação similar à da pressão do líquido cefalorraquidiano normal com pressão intraocular elevada. Este modelo poderá explicar o porquê de os doentes com glaucoma de pressão (intraocular) normal tenderem a apresentar pressão arterial sistémica baixa e o porquê de olhos com glaucoma de pressão (intraocular) normal e de olhos com glaucoma com pressão elevada, ao contrário de olhos com neuropatia vascular ótica direta, poderem apresentar semelhanças profundas do aspeto da cabeça do nervo ótico.

4ª Edição - Maio 2017